VOTOS BRANCOS E NULOS: CABEÇAS CORTADAS
José Saramago, em seu livro “Ensaio sobre a Lucidez”, escreve sobre as consequências de uma eleição em que os votos tidos como inválidos, isto é, brancos e nulos, superaram significativamente os considerados votos válidos.
Em sua magnífica ficção, o Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura conta que o comando do Estado ficou acéfalo e, a partir desse mote, a estória desdobra-se inteligentemente.
No Brasil, caso em uma eleição majoritária, os votos brancos e nulos superassem os válidos, o candidato que obtivesse mais votos ainda assim estaria eleito e seria o representante de todos, inclusive de mais da metade do eleitorado que não o legitimou.
Não era para ser assim. Os votos brancos e nulos deveriam ser considerados e, inclusive, caso superassem a quantidade de votos em candidatos ou nas legendas partidárias, deveriam provocar:
1 – Em um primeiro momento, a realização de nova eleição;
2 – Em um segundo momento, caso persistisse o triunfo dos votos brancos e nulos, uma mudança no sistema político-eleitoral. E, nesse caso, apenas depois de uma reforma em prazo certo (2 ou 3 meses), novas eleições seriam realizadas.
Sem dúvidas, quando o número de votos brancos e nulos aumenta, esse sintoma quer dizer que o povo encontra-se mais insatisfeito com a política e com os seus mandatários. E os políticos deveriam, como representantes do povo, auscultando o aborrecimento, promover reformas no sistema político-eleitoral de modo que parte do eleitorado, outrora frustrado, voltasse a acreditar nas estruturas do Poder.
Se nos conformes da Constituição do Brasil de 1988, todo o poder emana do povo, toda e qualquer manifestação oriunda desse deveria ser devidamente considerada e, jamais, desprezada. Infelizmente, milhões de brasileiros, a cada eleição, têm suas opiniões (expressadas na abstenção proposital ou na votação em branco ou nulo) sumariamente desconsideradas.
Assim sendo, o Arcabouço Jurídico Brasileiro, blindado pelos interesses dos políticos deste país, prossegue, indecorosamente, conformando-se a lapidar frase de Saramago, na obra acima aludida: “é regra invariável do poder que, às cabeças, o melhor será cortá-las antes que comecem a pensar, depois pode ser demasiado tarde”.