REDUÇÃO DA MAIORIDADE: QUEM SÃO OS DELINQUENTES?
O Brasil é rotulado como o país do jeitinho. Por uma banda, esse modo genérico de ser do povo brasileiro é até positivo, mas, por outro lado, muitos dos males nossos decorrem cirurgicamente dessa característica, inclusive, o grave problema da criminalidade, inchada ainda mais que está pelos atos infracionais perpetrados por crianças e por adolescentes.
A maleabilidade idiossincrática do brasileiro médio permite-lhe não só sobreviver sob as condições mais diversas, ainda que inóspitas, mas também ser alegre e otimista mesmo diante de apocalípticos cenários.
Essa nossa propriedade assegura-nos esperança por dias melhores; porém também nos torna excessivamente tolerantes até mesmo com o que não é justo: corrupção, descumprimento da lei, abusos de autoridade, etc.
O Estado brasileiro, em 1990, entregou a seu povo o avançado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no qual resta claro que é dever dos órgãos e entidades estatais e ainda da sociedade, da comunidade e da família zelar pela saúde, pela educação, pela proteção, pelo bem-estar e pelo desenvolvimento dos nossos jovens.
Contudo, na prática, o que se vê é: 1) o inadimplemento sistemático dessa lei; 2) a ausência de punição dos que a descumprem ou dos que não criam condições para que ela seja concretizada; e 3) o menoscabo da sociedade brasileira, das comunidades e das família em desempenhar os seus deveres, incluindo pressionar o Poder Público para assegurar às nossas crianças e aos nossos adolescentes todos os direitos que lhes foram conferidos, mas que não saíram, até hoje, das folhas já amareladas de papel.
O jeitinho que nossa autoridades têm dado para não implementarem o ECA e a tolerância dos brasileiros quanto a essa grave omissão têm produzido jovens desapegados à vida, sem espiritualidade, violentos e sem limites.
A falta de compromisso dos brasileiros com o futuro, sempre muito bem metaforizado nas crianças e também nos adolescentes, é que tem conduzido esses jovens ao crime.
Apesar da manifesta falência das políticas públicas focadas nas crianças e nos adolescentes, reduzido ainda, ao menos proporcionalmente, é o número dos jovens que abraçam a vida criminosa. Contudo, o contingente dos que, por vias tortuosas, procuram vingar-se, conscientemente ou não, do Estado, da sociedade, da comunidade e/ou da família – entes que, isolada ou conjuntamente, trataram-lhes com desamor e desprezo – é mais que suficiente para aumentar a sensação geral de insegurança.
Essa péssima sensação é majorada diante da aplicação dos poucos dispositivos do ECA que realmente são eficazes: os relativos à forma de punição de adolescentes infratores, em detrimento dos quais a punição máxima é a de internação por até 3 (três) anos, sendo compulsória a liberdade deles aos 21 (vinte e um) anos.
Em corolário, muitos brasileiros acreditam que o ECA gera impunidade e que, dada a hedionda escalada de violência, inflada pela atuação dos menores de idade, deveria aquela desastrada lei ser revogada ou, no mínimo, alterados os artigos que beneficiam os “de menores”, que escolheram ser bandidos.
Nessa senda, a sociedade brasileira deseja resolver o grave problema da insegurança pública com a diminuição da maioridade.
Sucede que, diante do panorama acima sumariamente delineado, essa redução não promoverá a diminuição da violência, dos crimes e da desagradável sensação de insegurança, simplesmente porque essa medida não é capaz de alterar ainda que minimamente a perversa estrutura social que faz com que menores cometam atos infracionais.
Em vocábulos outros, a indústria que produz, em série, menores que colidem com a lei não seria afetada por uma reforma constitucional que providenciasse a redução da maioridade penal dos atuais 18 (dezoito) anos para 16 (dezesseis), 14 (quatorze), 10 (dez) ou (por que não) 8 (oito) anos.
Os brasileiros, impregnados pela cultura do jeitinho no que ela tem de pior, visam a resolver complexos problemas através de passos de mágica.
Infelizmente, os mágicos que escolhemos para encantar-nos com suas realizações não têm possuído a competência e a inteligência suficientes para enfrentar e solucionar a questão da delinquência juvenil.
Na verdade, a mais que reiterada falta de competência e de inteligência do povo brasileiro ao eleger seus representantes tem contribuído significativamente para que o Brasil torne-se uma pátria cada vez mais sem progresso e com muita desordem.
A forma mais consistente de enfrentamento à criminalidade crescente dar-se-ia, finalmente, através da implementação de todas as políticas públicas previstas no ECA e também na Lei de Execuções Penais, tudo no afã de garantir aos jovens delinquentes e também aos adultos criminosos os direitos que essas leis lhes asseguram e que não estão nelas previstas por bondade, mas porque, se concretizados, são capazes de dificultar o funcionamento da indústria do crime e ainda devolver à sociedade indivíduos ressocializados.
Enquanto isso não se der, entretanto, seguiremos: 1) cambaleantes, acreditando no ilusionismo da redução da maioridade penal como uma panaceia; e 2) impunes, porque, CRIMINOSAMENTE, não cumprimos nossa parte de obrigações previstas no ECA, não escolhemos autoridades capazes de cumprir essa lei e, tampouco, pressionamos essas lideranças para que, antes de oferecerem aos menores repressão, quando necessário, assegurem a eles, preventivamente: proteção integral – vida, saúde, alimentação, educação, esportes, lazer, profissionalização, cultura , respeito, liberdade – DIGNIDADE!