APONTAMENTOS SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO CONSTITUCIONAL RESERVADO À ADVOCACIA E À OAB
1 INTRODUÇÃO
Os acontecimentos históricos podem ser analisados sob diversos prismas. O historiador, nesse diapasão, em sua missão, aspirando a formular uma versão verossimilhante para os fatos, pode valer-se, exemplificativamente, de testemunhos e dos mais variados tipos de documentos.
É indubitável que a legislação vigente em certa época e aplicável a determinada população de um definido território é uma fonte riquíssima de informações para os que pretendem analisar a história de um país.
Dentre os documentos legislativos, sobressai-se em importância as Constituições, normas nas quais se situam os fundamentos de um Estado. São, destaque-se, o teor da Carta Política e o seu coeficiente de concretização que denotam o caráter e o patamar evolutivo das instituições de um país.
Nessa senda, pretende-se, através de uma análise pontual de todas as Constituições brasileiras, externalizar propedêuticas meditações sobre a histórica crescente relevância constitucional atribuída á advocacia e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mormente nos últimos 80 (oitenta) anos, que é exatamente o período de funcionamento dessa entidade.
2 DA OMISSIVA TRILHA
A Constituição Política do Império do “Brazil”, outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1824, muito embora revestida de um espírito liberal, não fez qualquer menção à advocacia.
Importante ressaltar, entretanto, que foi sob a égide dessa Constituição que se deram as criações não só, em 1828, dos dois primeiros cursos jurídicos do Brasil, em São Paulo
Essas Faculdades e o IAB tiveram imensa importância na transição da Monarquia para a República. Apesar disso, segundo Ruy de Azevedo Sodré:
Durante o Império, foram baldados todos os esforços para a criação da Ordem, a despeito de contar a causa, em momentos diferentes, com o apoio de conselheiros de Estado do porte de um JOSÉ DE ALENCAR, de um NABUCO DE ARAÚJO e de tantos outros. Não menos árdua e igualmente improfícua foi a batalha travada durante a República [i]. [destaque do Autor].
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada durante o Governo Marechal Deodoro da Fonseca, em 24 de fevereiro de 1891, inspirada nos ideais revolucionários franceses, manteve-se, por sua vez, ainda nessa omissiva trilha.
Dessa forma, fica evidente que as Cartas Políticas anteriores ao surgimento da OAB não reputavam os advogados personagens salutares o suficiente para receberem expressos encargos relativos ao fortalecimento das instituições brasileiras.
3 VEM AO MUNDO A OAB – UM MILAGRE?
Após o transcurso de 87 (oitenta e sete) anos da criação do IAB, sem que se tivesse logrado o êxito de organizar a Ordem dos Advogados, finalmente o antigo sonho foi materializado.
A fundação da OAB – pelo art. 17, do Decreto de nº. 19.408, de 18 de novembro de 1930, assinado por Getúlio Vargas, que assumira a presidência do Brasil pela Revolução de 1930, em 3 de novembro – foi, nesse desiderato, um inusitado, mas inesquecível marco no que pertine à valorização da advocacia. Eis a redação desse dispositivo – in verbis:
Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, orgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pêlos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo. [sic].
O nascimento da OAB, em virtude das históricas e dolorosas dificuldades abortivas que enfrentou durante uma longa gestação, foi reputado, por Ruy de Azevedo Sodré, de milagre, nos seguintes termos:
Foi um milagre, não só como surgiu, como na época em que foi aprovada a sua criação. O que no Império e na República não conseguiram os maiores juristas do País, no período discricionário – que sempre teve, em todos os tempos, como a história registra, o advogado como sendo o seu maior inimigo – foi possível a criação da Ordem dos Advogados [ii].
A partir de seu surgimento, a Ordem começou a organizar melhor os advogados brasileiros, possibilitando, inclusive, que estes canalizassem todo o seu potencial de participação, mais que efetiva, no direcionamento dos rumos do Brasil.
As Constituições brasileiras que se seguiram não tiveram como ignorar essa maciça força intelectual, antes dispersa, mas, agora, crescentemente institucionalizada.
4 DO INÍCIO DO TRATAMENTO CONSTITUCIONAL
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, inspirada na Constituição alemã de Weimar, foi promulgada, durante o Governo “provisório” de Getúlio Vargas, após imensa pressão popular, demonstrada, por exemplo, através da Revolução Constitucionalista de 1932.
Nos trabalhos constituintes, importantes participações tiveram a OAB e o IAB. Nesse sentido, inclusive, foram incumbidos da elaboração de parecer sobre o anteprojeto da Constituição três eminentes juristas, Carlos Maximiliano, como presidente, Levi Carneiro, como vice-presidente, sendo o presidente do Conselho Federal da OAB (CFOAB), e Raul Fernandes, como relator-geral, sendo Conselheiro da OAB.
Destaque-se, nessa trilha, que a redação do capítulo sobre o Poder Judiciário ficou sob o encargo do presidente do CFOAB – Levi Carneiro.
E foi essa Constituição, reconhecendo a importância dos advogados para a construção dos destinos do país, que fez a primeira referência direta a esses profissionais, através da criação da regra do quinto constitucional. Essa ideia, pontue-se, com o escopo de arrefecer o corporativismo do Poder Judiciário e de torná-lo mais democrático, surgiu no seio do CFOAB, por sugestão de Haroldo Valadão [iii].
Dessa forma, em seu artigo 104, §6º [iv], assentou-se que, na composição dos tribunais superiores, na Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, seriam reservados lugares, correspondentes a 1/5 (um quinto) do número total, para serem preenchidos por advogados ou membros do Ministério Público.
A advocacia preencheria, pois, 1/10 (um décimo) das vagas desses tribunais. Essa regra foi mantida e até mesmo aperfeiçoada nas Constituições posteriores.
Saliente-se que, não se referindo especificamente à regra do “quinto constitucional”, mas defendendo a participação de advogados na composição dos tribunais, Carlos Maximiliano dispõe que o melhor sistema de seleção de magistrados é o inglês, porque:
Conquista os grandes advogados para membros de tribunal de segunda instância; porque vivem em contato imediato com a sociedade, estão familiarizados com os conflitos de interesses, conhecem bem a luta pela existência, com as suas dores e vitórias, anelos e desilusões. Sabem, por excelência, o valor de cada circunstância de fato; portanto apreciam-na melhor e levam-na em conta ao aplicar as leis [v].
Essa “causidificação” dos tribunais brasileiros, felizmente, para o engrandecimento, amadurecimento e oxigenação desses órgãos, existe, portanto, desde a Constituição de 1934.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937 (outorgada por Getúlio Vargas e redigida por Francisco Campos), inaugurando o período do denominado Estado Novo, inspirada na Constituição polonesa, tendo sido alcunhada de “polaca” e com características marcadamente fascistas, expressou referida conquista em seu artigo 105 [vi].
Saliente-se que foi sob a égide dessa última Carta Magna que a OAB passou a ter uma atuação extremamente relevante, principalmente na defesa da liberdade dos opositores ao regime autoritário, dos direitos individuais de uma forma mais generalizada e dos ideais democráticos.
5 DO CRESCENTE REALCE CONSTITUCIONAL
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946 (promulgada durante o Governo do General Eurico Gaspar Dutra), estendeu a regra do quinto constitucional, prevista, no artigo 124, V [vii], para os tribunais dos Estados, para além desses.
Em seu artigo 103, caput [viii], estabeleceu que o Tribunal Federal de Recursos (TFR) compor-se-ia de nove Juízes, dos quais um terço seriam nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, entre advogados e membros do Ministério Público. A advocacia preencheria, pois, 1/6 (um sexto) das vagas também desse tribunal da União.
Por sua vez, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967 (“promulgada” durante o Governo Castello Branco), estendeu a regra do quinto constitucional para outros órgãos do Poder Judiciário da União, tais quais o Tribunal Superior Eleitoral – TSE (2/7 das vagas exclusivamente para advogados, art. 124, caput, II), o Tribunal Superior do Trabalho – TST (2/11 das vagas para advogados, art. 133, §1º, “a”) e os Tribunais Regionais do Trabalho – TRTs (2/33 das vagas para advogados, art. 133, §5º) [ix].
Nesses textos constitucionais de 1946 e de 1967, respectivamente, nos artigos 124, III [x] e 136, caput, I [xi], determinou-se ainda, como novidade, que o ingresso na magistratura estadual vitalícia, dependeria de concurso, organizado pelos Tribunais de Justiça com a colaboração dos Conselhos Secionais da OAB.
Essa participação da Ordem aspirava a assegurar a legitimidade dos concursos de ingressos de magistrados, coibindo as ilegalidades e os favoritismos, ainda existentes na contemporaneidade e, à época, por demais corriqueiros.
A Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional de nº. 01, de 17 de outubro de 1969, manteve, assente-se, em sua essência, essas regras.
Saliente-se que, durante a ditadura militar, a OAB, após, em um primeiro momento, ter encarado o Golpe de 1964 como uma medida emergencial positiva para evitar uma Revolução Comunista e para assegurar o regime democrático; em um segundo momento, constatando a truculenta arbitrariedade que assaltou o Estado Brasileiro, mormente, depois da edição do tirânico Ato Institucional de nº. 5, em dezembro de 1968 – que suspendeu até a garantia secular do habeas corpus – contra os Governos antidemocráticos que se sucederam passou a lutar – quer institucionalmente, quer através de advogados, como o mítico Heráclito Fontoura Sobral Pinto – com extrema coragem, no afã de restabelecer a ordem jurídica, os direitos e garantias fundamentais e a plenitude do Estado de Direito.
Nessa senda, deveras salutar é asseverar que, consoante Maurice Garçon:
A verdadeira coragem do advogado consiste, essencialmente, em dizer o que tiver por necessário, sem olhar às críticas que possa sofrer ou aos inconvenientes que lhe possam advir. Porque não é a sua própria pessoa que está em causa, deve desprezar os descontentamentos que a sua atitude possa provocar. Não deve hesitar em desagradar, se o que desagrada lhe parece justo ou necessário [xii].
A OAB, desde esse período de exceção, como paladina da Justiça, por um lado, tornou-se uma das principais instituições da sociedade civil brasileira, e, por outro lado, passou tanto a defender intrepidamente a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte quanto a ser procurada pelos que sofriam violações de seus direitos humanos.
6 DA CONSTITUIÇÃO DA ADVOCACIA E DA OAB
A OAB e os advogados, de uma forma geral, mesmo em tempos sombrios, desempenharam tão eficientemente sua função social e colocaram-se tanto como protagonistas do projeto de edificação de um país no qual predominassem a Democracia e a Justiça, que absolutamente dilatadora das suas atribuições foi a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada em 5 de outubro de 1988, durante o Governo de José Sarney.
A Carta, alcunhada de Cidadã, aumentou e bastante a relevância dos advogados e da OAB. Isso se deu de tal maneira que se pode cognominar de Constituição da Advocacia e da OAB a parte da atual Constituição Federal que contém os direitos que legitimam a atuação dos advogados e da Ordem.
6.1 Do conteúdo
Eis o conteúdo da Constituição da Advocacia e da OAB.
PRIMEIRO. Arrolou como sendo direito fundamental, de acordo com o art. 5º, caput, LXIII, ao preso ser assegurada a assistência da família e do advogado.
Uadi Lammêgo Bulos, polemicamente, diz que “a Emenda Constitucional n.1/69, na esfera processual penal, já previa, implicitamente, em várias partes do art. 153, o direito do preso ao silêncio, à assistência da família e do advogado” [xiii].
Discorda-se desse autor, até porque, no citado artigo, da Emenda Constitucional n.1/69, só está previsto, em seu §12º [xiv], a necessidade de comunicação da prisão ao juiz competente, nada dispondo, ainda que de forma subentendida, sobre a garantia da assistência de advogado ao preso. Além disso, se, durante os anos de chumbo, nem o que estava explícito era adimplido, imagine o grau de fuzilamento dessa suposta garantia, caso realmente existente, mas implícita!
Entende-se ser, pois, o comentado inciso LXIII uma grata novidade, reforçadora do papel atribuído aos advogados de garantidores da legalidade e da constitucionalidade das prisões.
Sobre esse dispositivo, Alexandre de Moraes assevera também que:
Toda prisão, bem como o local onde se encontra o acusado, deverá por mandamento constitucional, ser informada, imediatamente, à família do preso ou à pessoa por ele indicada, a seu advogado e ao juiz competente, para que, analisando-a, se for o caso, relaxe a prisão ilegal [xv].
Essa comunicação ao advogado, no menor tempo possível, aspira a que este profissional fiscalize se a prisão de seu cliente deu-se por flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente e lute, caso ilegal, pelo relaxamento dela, ou, quando cabível, pela concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (arts. 5º, caput, LXI, LXV e LXVI, da CRFB).
SEGUNDO. Aperfeiçoou a regra do quinto constitucional, no art. 94, caput, ao prescrever que 1/5 (um quinto) dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e de futuros possíveis Territórios será composto de advogados e de membros do Ministério Público, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.
Dessa forma, como regra geral, a advocacia não só preencherá 1/10 (um décimo) das vagas dos tribunais, mas também, como extraordinária inovação, quem indicará os advogados que poderão compô-los será a OAB, através, conforme o caso, do Conselho Federal ou dos Conselhos Seccionais.
Nesse ponto, inclusive, previu a Constituição regras específicas para a composição de alguns tribunais, como:
1 – No Superior Tribunal de Justiça (STJ) – criado por esta Constituição, no art. 27, §§ 2º e 4º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em substituição ao TFR – a presença de 1/6 (um sexto) de advogados, indicados na forma do art. 94 (art. 104, parágrafo único, II);
2 – No TST e nos TRTs, a presença de 1/10 (um décimo) de advogados, indicados na forma do art. 94 (arts. 111-A, caput, I e 115, caput, I);
3 – No TSE e nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), a presença de 2/7 (dois sétimos), apenas dentre advogados, indicados, respectivamente, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelos Tribunais de Justiça (arts. 119, caput, II e 120, §1º, III);
4 – No Superior Tribunal Militar (STM), a presença de 1/5 (um quinto), exclusivamente dentre advogados, escolhidos diretamente pelo Presidente da República (art. 123, parágrafo único, I); e
5 – Nos Tribunais de Justiça, durante os 10 (dez) iniciais anos da criação de novos possíveis Estados, 2/14 (dois quatorze avos) dos primeiros Desembargadores, dentre advogados indicados na forma do art. 94 (art. 235, caput e incisos IV e V, “b”).
TERCEIRO. Arrolou, no art. 103, caput, VII, o CFOAB como tendo legitimidade incondicionada para propor, perante o STF, ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e também, após a Reforma do Judiciário, ações declaratórias de constitucionalidade (ADC).
Importante frisar que o CFOAB tem legitimação ativa universal e pode, então, para a defesa da integridade do ordenamento constitucional, interpor ADIs e ADCs, independentemente da demonstração de interesse de agir, ou seja, não precisa comprovar a denominada “pertinência temática” (relação entre o ato impugnado e as atribuições exercidas pelo órgão, pessoa ou instituição).
QUARTO. Estendeu a fiscalização e a participação da OAB para todos os concursos de ingresso nas diversas carreiras não só da magistratura, quer estadual, quer federal (art. 93, I), mas também do Ministério Público (art. 129, §3º).
QUINTO. Criou as carreiras relativas à Advocacia-Geral da União – AGU (art. 131, caput), à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PFN (art. 131, §3º) e às Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (art. 132, caput).
Sendo que enquanto a AGU representa a União, judicial e extrajudicialmente, diretamente ou através de órgãos vinculados, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo; a PFN representa a União na execução da dívida ativa de natureza tributária; e as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
A OAB, frise-se, dentre essas carreiras, pertinentes à advocacia, só fiscaliza os concursos relacionados às Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal.
Pontue-se ainda que a AGU foi instituída para afastar do Ministério Público o exercício das funções causídicas, o que gerava sérias distorções, já que um mesmo órgão exercia as funções de custos legis e de advocacia de Estado.
Atualmente, inclusive, o exercício da advocacia por membros do Ministério Público está expressamente vedado pela Carta Magna, no art. 128, §5º, II, “b”.
SEXTO. Revolucionou, através da criação da Defensoria Pública, instituição capitaneada por advogados, o acesso dos mais necessitados à prestação jurisdicional (art. 134, caput).
Esse dispositivo visa a combater a realidade retratada e muito bem resumida em uma velha observação de Ovídio, que, segundo José Afonso da Silva, “ainda vigora nos nossos dias, especialmente no Brasil: Cura pauperibus clausa est, ou no vernáculo: ‘O tribunal está fechado para os pobres’” [xvi].
Pretende-se, pois, através dele, conferir-se maior efetividade aos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e do pleno acesso à Justiça (art. 5º, caput e incisos XXV, LIV e LV).
Apesar de já ultrapassados mais de 20 (vinte) anos da promulgação da presente Constituição, sem que a Defensoria Pública funcione correspondendo satisfatoriamente à demanda [xvii], mantém-se viva a esperança de que melhores dias virão para a maioria do povo do Brasil, que é pobre e que depende desse órgão para tentar saber o que é Justiça.
Oxalá concretizado seja, com o auxílio desses valentes advogados, o bíblico versículo, contido no Livro de Salmos, 9,18 – ad litteris et verbis – “mas os pobres nunca serão esquecidos, nem se frustrará a esperança dos necessitados” [xviii].
SÉTIMO. Expressamente, no artigo 133, admitiu que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Segundo Cesar Luiz Pasold, “o advogado, ao ter sido alçado constitucionalmente, à condição de indispensável à administração da Justiça, teve – sem dúvida – a sua condição profissional extremamente valorizada” [xix].
Entretanto, de acordo com Uadi Lammêgo Bulos, “nos trabalhos preparatórios da Carta em vigor, muitas críticas foram endereçadas a esse reconhecimento. Não faltou quem discordasse do fato de a Lei Maior de um País destacar, com tanta ênfase, a figura do advogado” [xx].
Sucede que não foi o advogado o único profissional referido pela Constituição. Os profissionais de saúde e os professores, por exemplo, também foram expressamente mencionados (art. 37, caput, XVI, “a” e “c”).
Esse artigo 133 consagra dois princípios relativos aos advogados: é um o da indispensabilidade; e, dois, o da imunidade.
De acordo com o primeiro, por uma banda, exige-se, para a postulação em juízo, a participação de causídico, devidamente constituído e previamente inscrito na OAB, salvo em reclamações trabalhistas, revisão criminal, habeas corpus e ações pertinentes aos Juizados Especiais estaduais, cujo valor da causa seja de até 20 (vinte) salários mínimos; por outra banda, admite-se que é a advocacia um meio para que os seres humanos possam ter restabelecidos, através da obtenção de justiça, afrontados direitos.
O segundo não é um privilégio de classe, mas uma garantia relativa não só ao exercício livre da advocacia, como também dos interesses dos clientes, que confiam aos seus advogados documentos e informações sigilosas.
Esses princípios são, saliente-se, absolutamente necessários para que o advogado possa atuar com a mais ampla independência.
Nesse diapasão, Maurice Garçon afirma que “quando se fala de independência do advogado pensa-se que ela tem por principal objectivo conferir-lhe plena liberdade perante o Poder, a opinião pública, os tribunais e terceiras pessoas” [xxi]. [sic].
6.2 Da expansão
Sob a égide da CRFB, foi editado o hodierno Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei de nº. 8.906, de 4 de julho de 1994), que, em seu artigo 44, caput, I, dispõe que – in verbis:
Art.
I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
A sólida atuação da OAB, obediente às suas finalidades, não só capitaneando grandes movimentos populares, como o do impeachment, e lutando bravamente contra, por exemplo, a edição mais que abusiva de medidas provisórias, mas também se valendo a contento dos direitos a ela conferidos originariamente pela Carta Magna, provocaram o surgimento de iniciativas que aspiraram ao aumento de suas atribuições constitucionais.
Nesse sentido, quando da promulgação da Emenda Constitucional de nº. 45, de 8 de dezembro de 2004, responsável pela denominada reforma do Poder Judiciário, a OAB ampliou ainda mais o seu potencial de contribuição para a construção e solidificação das instituições brasileiras, mormente das jurídicas, tendo em consideração o teor do artigo 103-B, caput, XII e §6º.
Segundo esse dispositivo, 2 (dois) advogados, indicados pelo CFOAB comporiam o novel Conselho Nacional de Justiça (CNJ), orgão do Poder Judiciário (art. 92, caput, I-A) junto ao qual, inclusive, oficia o Presidente do CFOAB.
Destaque-se que a presença de membros estranhos ao organismo da magistratura nesse órgão visa a, principalmente, combater o corporativismo e a dar transparência às ações do Poder Judiciário.
Dessa forma, a Ordem e os advogados poderão contribuir não só para o controle das atividades administrativas e financeiras do Judiciário, mas também para a fiscalização ético-disciplinar dos membros desse poder estatal.
Além disso, essa mesma Emenda, acrescentando o artigo 130-A à CRFB, em seu caput, V e §4º, assegura também assento a 2 (dois) advogados, indicados pelo CFOAB, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão junto ao qual, igualmente, oficia o Presidente do CFOAB.
Não fosse o suficiente, a Constituição, no artigo 103-A, §2º, também resultante de referida Emenda, no afã de tentar assegurar a razoável duração do processo (art. 5º, caput, LXXVIII), previu que o CFOAB tem legitimidade para propor a aprovação, revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes, que poderão dispor sobre a validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, em relação às quais exista controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, capazes de acarretar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica matéria.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O advogado sempre foi e sempre será o profissional responsável pela defesa dos direitos dos indivíduos e pela crítica fiscalização, no exercício de seu mister, dos poderes constituídos. Carrega ele, sem dúvidas, uma colossal e árdua incumbência, que também é a sua primordial função social, qual seja a de batalhar destemidamente pela concretização dos princípios constitucionais e pela efetivação do ideal de Justiça.
Paulo Luiz Neto Lôbo, nessa toada, assevera – ad litteris et verbis:
No ordenamento brasileiro, são três os figurantes indispensáveis à administração da justiça: o advogado, o juiz e o promotor. O primeiro postula, o segundo julga e o terceiro fiscaliza a aplicação da lei. Cada um desempenha seu papel, de modo paritário, sem hierarquia [...]. Pode-se dizer, metaforicamente, que o juiz simboliza o Estado, o promotor, a lei e o advogado, o povo [xxii].
Tendo em altaneira relevância que, de acordo com o princípio da soberania popular, esculpido no artigo 1º, parágrafo único, da CRFB, “todo poder emana do povo”, fica, então, mais que notório a incomensurável proeminência do advogado para o fortalecimento das instituições democráticas pátrias.
Entretanto, mesmo diante desses fatos incontestáveis, as duas primeiras Constituições brasileiras, simplesmente, ignoraram a substancial e indispensável contribuição que esses profissionais, detentores de munus público, podiam oferecer para o desenvolvimento do Estado brasileiro.
Só após a milagrosa fundação da OAB, como órgão responsável pela sintonia dos esforços dos advogados, é que a advocacia passou, gradativamente, deveras a ser reconhecida, em sede constitucional, como profunda conhecedora da realidade do Poder Judiciário e, consequentemente, como capaz e competente para tentar sanar graves problemas que afligem o Brasil.
O tratamento constitucional reservado à advocacia e à OAB iniciou-se apenas com a regra do quinto. Hoje, todavia, passados 80 (oitenta) anos da criação da Ordem, sob a égide da denominada Constituição da Advocacia e da OAB, inserida no âmago da CRFB, além daquela previsão, que foi aprimorada, tem-se ainda 1) a atribuição aos advogados da condição de garantidores da legalidade e da constitucionalidade das prisões, que a eles devem ser comunicadas; 2) a legitimação ativa universal do CFOAB para propor ADIs e ADCs; 3) a fiscalização da OAB sobre todos os concursos de ingresso na magistratura e no Ministério Público; 4) a criação de carreiras próprias de advogados, AGU, PFN, Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal e Defensoria Pública; 5) o reconhecimento expresso não só da indispensabilidade do advogado para a administração da justiça, mas também da inviolabilidade desse profissional por seus atos e manifestações no exercício da profissão; 6) a participação de advogados na composição do CNJ e do CNMP, perante os quais, inclusive, oficia, permanentemente, o Presidente do CFOAB; e 7) a legitimidade para propor a aprovação, revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes.
Essa manifesta dilatação de atribuições é fruto do reconhecimento pelo povo brasileiro dos importantes serviços prestados – competente e seriamente – pela advocacia e pela OAB, para o Brasil, sobretudo, desde a criação dessa octogenária entidade.
Nos anos vindouros, resta aos advogados e à OAB prosseguir honrando a confiança que lhes foi, constitucionalmente, depositada. Para tanto, jamais devem esquecer-se da célebre e singela lição de Antoine de Saint-Exupéry, “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” [xxiii].
[i] SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. São Paulo: LTr, 1975. p. 236.
[ii] Ibidem. p. 237.
[iii] Cf. BAETA, Hermann Assis. História da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília: OAB – Ed., 2003. v. 4. p. 70-71.
[iv] Artigo 104, §§ 3º e 6º, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934 – in verbis: “Art. 104. Compete aos Estados legislar sobre a sua divisão e organização judiciárias e prover os respectivos cargos, observados os preceitos dos arts.
[v] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 84.
[vi] Artigo 105, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1937 – ad litteris et verbis: “Art. 105. Na composição dos Tribunais superiores, um quinto dos lugares será preenchido por advogados ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, organizando o Tribunal de Apelação uma lista tríplice”.
[vii] Artigo 124, V, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946 – in verbis: “Art. 124. Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts.
[viii] Artigo 103, caput, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946 – ad litteris et verbis: “Art. 103. O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital federal compor-se-á de nove Juízes, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, sendo dois terços entre magistrados e um terço entre advogados e membros do Ministério Público, com os requisitos do art.
[ix] Artigos 124, caput, II e 133, §1º, “a”, e §5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967 – in verbis: “Art. 124. O Tribunal Superior Eleitoral, com sede na Capital da União compor-se-á: [...]. II – por nomeação do Presidente da República, de dois entre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal. [...]. Art. 133. [...]. §1º O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de dezessete Juízes com a denominação de Ministros, sendo: a) onze togados e vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal: sete entre magistrados da Justiça do Trabalho, dois entre advogados no efetivo exercício da profissão; e dois entre membros do Ministério Público da Justiça do Trabalho, todos com os requisitos do art. 113, § 1º. [...]. §5º Os Tribunais Regionais do Trabalho serão compostos de dois terços de Juízes togados vitalícios e um terço de Juízes classistas temporários, assegurada, entre os Juízes togados, a participação de advogados e membros do Ministério Público da Justiça do Trabalho, nas proporções estabelecidas na aliena a do § 1º”.
[x] Artigo 124, III, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946 – ad litteris et verbis: “Art. 124. Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts.
[xi] Artigo 136, caput, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967 – in verbis: “Art. 136. Os Estados organizarão a sua Justiça, observados os arts.
[xii] GARÇON. Maurice. O advogado e a moral. Tradução de António de Sousa Madeira Pinto. 2. ed. Coimbra: Arménio Amado-Editor, Sucessor, 1963. p. 77.
[xiii] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 325.
[xiv] Artigo 153, §12º, da Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional de nº. 01, de 17 de outubro de 1969 – ad litteris et verbis: “Art.
[xv] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 286.
[xvi] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 606.
[xvii] Segundo o III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil, publicado em 2009, pelo Ministério da Justiça – disponível em: <https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/diagnosticos>; e acessado em 12 set. 2010, 11:21:00; p. 105-107, 126-127 – o Brasil tem cerca de 4400 (quatro mil e quatrocentos) defensores públicos na ativa. No que resulta a média aproximada de um defensor público para cada 32.044 (trinta e duas mil e quarenta e quatro) pessoas – componentes do público alvo, que só inclui os maiores de 10 anos com renda de até 3 salários mínimos. Mas ainda há o pior: apenas 42,72% das comarcas e sessões judiciárias do Brasil possuem, ao menos, um Defensor Público, ou seja, a população pobre de mais da metade das comarcas e sessões judiciárias do Brasil (57,28%) não têm acesso ao Judiciário, pelo menos não através da revolucionária Defensoria Pública.
[xviii] BARKER, Kenneth (org.). Bíblia de estudo NVI. São Paulo: Editora Vida, 2003. p. 882.
[xix] PASOLD, Cesar Luiz. O advogado e a advocacia. Florianópolis: Ed. Terceiro Milênio, 1996. p. 71.
[xx] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1.148.
[xxi] GARÇON. Maurice. O advogado e a moral. Tradução de António de Sousa Madeira Pinto. 2. ed. Coimbra: Arménio Amado-Editor, Sucessor, 1963. p. 59.
[xxii] LOBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao novo estatuto da advocacia e da OAB. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1994. p. 27.
[xxiii] SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Tradução de Dom Marcos Barbosa. 46. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1998. p. 72.