1 + 1 = 2; MAS A HUMILDADE É REPRESENTADA PELA SOBERBA?
Os detentores de mandato eletivo, responsáveis pelas funções Executiva e Legislativa, são escolhidos pelo povo brasileiro. Infelizmente, contudo, a maioria daqueles não tem empatia com este e os seus anseios. Eis a crise de representatividade, uma mazela decorrente de nossa forma ímpar de democracia.
A maioria dos sufragados para os cargos estruturais dos dois aludidos poderes detém poder econômico, isto é, são pessoas abastadas. A esmagadora maioria do povo brasileiro, ao contrário, é constituída de pobres.
Sem dúvida alguma, os seres humanos, pelo simples fato de viverem, enfrentam problemas. Ocorre, todavia, que, frequentemente, essas dificuldades são diversas conforme se pertença a classes sociais diferentes.
Em verdade, aquilo que é considerado problema para uma pessoa carente, pode não ser para uma pessoa endinheirada. Assim como o que é urgente ou prioritário para um filho da pobreza pode não o ser para um filho da riqueza.
As perspectivas diferentes sob as quais vivem e sob as quais encaram as dificuldades provocam uma imensa restrição ou mesmo impossibilidade de um abastado compreender como problema ou como dificuldade que exige solução urgente e preferencial os dissabores suportados por um hipossuficiente.
Um rico, pelo simples fato de sê-lo, tem dificuldades de colocar-se, ainda que mentalmente, no lugar de um pobre. Tem aquele, assim, quase que uma incapacidade de entender a este.
No Brasil, entretanto, apesar de a maioria do povo ser constituído por pessoas humildes, a esmagadora maioria dos representantes eleitos são pessoas abastadas. Ou seja, são indicadas pessoas ricas para ocupar os cargos políticos e, consequentemente, para decidir o que é ou não problema ou o que é ou não prioridade.
Se o Brasil, ultrapassados mais de 500 anos, ainda não conseguiu oferecer a todos os brasileiros serviços públicos de qualidade, mormente de saúde e de educação, não foi por falta de dinheiro – a carga tributária que gerou movimentos como a Inconfidência Mineira era de 20%, hoje chega próximo aos 40% – não foi também apenas em função da corrupção, do corporativismo e da incapacidade das elites, que ocupam os cargos públicos responsáveis por punir corruptos, de condenar rigorosa e célere e efetivamente a estes.
Essa incompetência é sim muito em decorrência da gestão do Erário, em que os abastados, responsáveis por ela, despudorada e incontrolavelmente, gastam rios de dinheiro com o supérfluo – com festas, cerimônias, viagens – tudo de utilidade deveras duvidosa, e ainda priorizam substancialmente gastos que beneficiem minorias populacionais (instituições financeiras, empresas multinacionais, oligarquias político e ou econômicas locais, regionais e ou nacionais), tentando, contudo, enganar os incautos com a distribuição de migalhas aos pobres, em forma de bolsas: é o ser eternamente pai dos pobres e mãe dos ricos.
Amiúde, prefere um governante lutar fervorosamente por uma melhoria que lhe beneficiará ou aos seus agregados e financiadores que por um melhoramento que atenda à população mais pauperizada.
Entre construir túneis e viadutos, fazer um Aquário ou um grande Centro de Eventos e investir maciçamente no aperfeiçoamento efetivo da qualidade dos serviços públicos, historicamente os donos do poder tem dado predileção às primeiras opções.
Por quê?
Os eleitos e seus agregados e seus financiadores, muito dificilmente, usam dos serviços públicos que oferecem à população. É uma raridade ver um filho deles frequentando uma escola de ensino fundamental ou médio público, tanto quanto ver quaisquer deles suportando as agruras nos postos de saúde e nos hospitais públicos. Tampouco são efetivamente agredidos pela insegurança/ violência pública, visto que, comumente, contratam seguranças particulares ou usam de policiais militares de modo exclusivo, desfalcando egoisticamente a proteção da sociedade apavorada.
Para que investir dinheiro em pessoas que sempre se contentam com migalhas? Para que investir no engrandecimento dos seres humanos que, a cada eleição, prostituem sua vontade por qualquer trocado?
Os filhos das necessidades básicas eternamente desatendidas deveriam revoltar-se contra tudo o que está posto de modo absolutamente imoral. Deveriam, para começo de rebelião civil, votar em pessoas que, contra tudo e contra esse perverso sistema, conquistaram educação e cultura e também são sedentas por melhorias nos serviços públicos igualmente usados por elas.
Era salutar, para a promoção de uma mudança real, que os sempre humilhados e esquecidos pelos eleitos indicassem, como forma de exaltação, para representá-los, pessoas como eles, isto é, que saibam o que é um colégio público e um hospital público, não por ouvir dizer, mas por usá-los ou terem-no usado e porque se comprometem a usá-los como prova de que investimentos nesses setores são prioridades reais, não apenas retóricas.
É mais fácil os pobres – elegendo seus iguais, fazerem pelo Brasil e, por conseguinte, por eles mesmos, o que as elites nossas não fizeram – que estas mudarem o modo egocêntrico de pensar delas: é mais simples mudar a si que ao outro: 1 + 1 = 2.